De costume, abri meus olhos à oito horas da manhã em ponto. De um lado, um cavalo, de outro um cobertor. Minha cabeça não doía, e me levantei para fazer algo não costumeiro, anti-rotineiro: café. Porque, normalmente, eu não gosto de café, mas misturar açúcar e achocolatado fez a coisa ficar menos pior. Fez a coisa ficar boa, repeti a dose três vezes no decorrer do dia. Depois, me sentei no sofá e senti algumas bocas me beijarem, algumas finas, doces bocas pousarem sobre todo o meu corpo e realizarem aquela breve e suave massagem que causa cócegas, milhões de cócegas. Não havia nada de mal ali, elas só começaram a deslizar e meus olhos fechados não suportaram a dor/alegria, nem o riso, nem as bocas, doces e vermelhas, sucelentas e sucintas. Havia escuro nos meus olhos fechados, a minha pele parecia se desfazer com os milhões de beijos arrastados. Eles se abriram e Hermes me esperava, sentado na sacada da varanda.
Tome cuidado, querido
Você pode, subitamente, se esvair nas alturas
Suas sandalhinhas de couro, benzidas no Olimpo
Talvez não suportem as alturas
O amante de Zeus deve permanecer vivo
Para me fazer cócegas todas as manhãs.
Aceita café?
Hermes tomou cuidado ao retirar seu cap
acete, alisou seus cachos. Castanhos cachos, feito os das estátuas. Alisou com uma delicadeza eficiente, os seus dedos parecendo pau entalhado, esculpido com esmero, dedos de homem perfeito. Seus joelhos que pareciam rochas, mármore. Sua pele dourada e escurecida pelas longas viagens perto do sol. Se aproximou de mim, e suas vestes tinham um movimento tão especial, a túnica drapeada que se drapeava pelo corpo, denunciando cada músculo e cada parte daquele ser tão...
...Hermético, eu sei...
Tocou meu rosto e expirou o ar de seus pulmões tão profundamente que pequenos corações surgiram aos montes ao redor da sala. Logo, havia um unicórnio que se prostrou diante de Hermes, servindo-lhe de poltrona. Seus olhos se viraram para o chão, como seu corpo também se curvou. Jogou o capacete no chão e me disse, não, ele não simplesmente disse, ele suspirou leve e lentamente a sua voz máscula e gentil, sem algum cinismo, o doce olímpico
Como estou cansado daquela obra
Os engenheiros dizem que não
Puderam dar continuidade aos meus planos
Os outros arquitetos se enfureceram
Eu também
A Biblioteca Municipal é uma construção importante
Para a cidade
Destruí um andaime e dei um tapa
Em um dos engenheiros incompetentes
Peguei um táxi até aqui
Atrás de consolo
Queria dizer
Oh, querido, não fique assim
Beba um pouco de chá e se acalme
Ou deite-se na minha cama comigo,
Deixei que eu afague seus cachinhos
E amacie a sua pele
Ou corra até uma loja da Chanel
E mate uma vendedora,
Se esconda em um provador,
Fuja da polícia,
Pule no Rio Reno
Se desfaça com a humanidade
Mas não pude. Ele me agarrou, me abraçou e levantou vôo pela janela, deixou o unicórnio na minha sala, defecando sonhos, e me levou até perto do Sol, onde ele sempre ficava, me beijou, mas minha pele já derretia. Como um suco, ele sorveu todo o líquido resto da minha existência. Até que pudesse cair no chão e se metamorfosear em galinha d'angola das pernas de cobra.
Destrua, destrua
Absorva e destrua
Os pés não são para andar
O telefone grita
Minha mãe não para de me dar leite
Para, Para
Absorva e destrua
Destrua, destrua

2 comentários:
você tem uma maneira de ver que nunca me passou pela cabeça.
Muito surrealista, gostei.
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