terça-feira, 25 de maio de 2010

Chatice

Chega uma hora do dia, e ela pensa se não seria melhor se tivesse passado a tarde no livro e no chá. Ao invés disso, se deitou no tapete da sala, se rodeou de revistas e tentou fazer o melhor que podia de si. A cara frustrada e o folhear das páginas, encostada na parede. Vendo de fora, seria bem engraçado. Aliás, só percebeu que aquilo tinha graça perto da hora de dormir. Seguiu adiante. Perdeu um pouco a cabeça e a aula de piano também, que já a chateava imensamente. Se a gente for contar que ela estava achando tudo a maior chateação, não deveria haver nada melhor no mundo do que se chatear. Chata, é o que ela é. Não é engraçada, mas tem um bom senso de humor. É sensível. É meio crítica e tem idéias vanguardistas. Os amigos, sem a compreender, desdenhavam, em todo o seu complexo ignorante, das doidices que ela fazia e do que gostava. Alguém tem que entender que há mais coisas que o lugar-comum, pensava e clamava ao mundo.
No fim das contas, o que ela percebe é que precisa é de um amor, de um amante. Um amante que a entenda, que a compreenda e dê ouvidos à sua boca grande e à língua pequena. É daquela gente que precisa de outra gente que queira saber sobre seus sentimentos, até porque ela também é assim, e é exigente: quer que os outros também sejam desse modo. Não é egoísmo, é uma necessidade de gentileza, de delicadeza. Delicadeza essa que ela levava até como filosofia de vida. Era puta e era delicada. Era irônica e era delicada. Era mulher delicada, de mãos delicadas, e toda essa delicadeza só conduzia à fragilidade do seu coraçãozinho. Pobrezinha, só precisa de alguém que se interesse em escutar seus pensamentos. Alguém dê ouvidos à sua boca grande, à sua língua pequena e às suas teorias de madrugada!
Só não te amo, porque é tarde demais.


Nenhum comentário: