sábado, 20 de novembro de 2010

posso entrar?

Enquanto andava devagar, esmagando todos os pequenos cactos que pensava serem bonsais, imaginava o que vestiria para o dia seguinte. Arrumou as margaridas perto das gardenias e achava lindo como o branco e amarelo ficavam bem juntos. Não atravessava seus pensamentos a opinião de seu homem, dizendo que aquela combinação era uma maluquice. Usava um galho de cerejeira na cabeça, preso aos cabelos e aos miolos. Ele tinha experiência, era florista, e entendia de decoração com flores mas seu amor não lhe dava ouvidos. Sempre haveria alguém seco e empoeirado para lhe tirar a atenção. Raiva.
Deveria fazer uma limpeza no seu quarto. Não havia amanhã, e não podia deixar o quarto, assim, abarrotado de coisas amontoadas em dissonância, desarmônicas. A ordem deveria ser precisa, mas ninguém nunca disse que precisava ser bela. Entendia bem das engrenagens sociais. Então, catou as roupas e jogou todas no cesto. Alguém se providenciaria de lavá-las no dia seguinte. A televisão estava fora do lugar e os sapatos, estribuchados de qualquer jeito no chão, provavelmente cansados das longas caminhadas sobre o chão quente da cidade. Vida de sapato deveria ser bem dura. Participava de uma espécie de estranho fluido cósmico. Tinha sete.
Se encostou na janela e não soube o que esperar. Não soube se esperava o seu homem espertinho, poeta, ou se esquentava o café primeiro. Ai homem pra gostar de café! Gosto entediante. Deixa tudo ruim. Azeda. Tem gente que bebe e parece que é droga. Entendia de folhas de papel, mas não fazia questão de se misturar a essas invenções turcas. Tinha um cigarro nas mãos antes de acendê-lo e atirá-lo na rua no mesmo instante. Subiu no sofá e dançou um pouco até perceber que o forro iria estourar. Mas se paga uma fortuna por algo que não funciona. Bostinhas, esses decoradores. Deitou no chão. Ouvia Venus In Furs na sua cabeça. O homem chegou, largou suas coisas encima da mesa, tinha uma revista qe gostava muito lá. Foi até a sala e se deitou também. Por sobre. Se olharam. No fundo dos olhos do seu homem, podia ver Sirius, as constelações e os seres que lhe protegiam. Picado.
Seu seio esquerdo ardia.

Um comentário:

Rita disse...

"Não havia amanhã, "

Sorri.