segunda-feira, 22 de novembro de 2010

teenage whore

O dia que Jay me chamou pra passear pelo quarteirão vizinho, vislumbrei um pedaço de céu na sua camisa rasgada. Ela tinha aquelas correntes nas calças que há muito, foram usadas para prender escravos nas mais profundas masmorras dos castelos dos senhores do açúcar. Eu tinha um castelo parecido, mas sem escravo nenhum. Jay não tinha escravos em casa. Jay gostava mesmo era de se picar e, quando baixava o santo, dava de cozinhar. Eu não sabia cozinhar e a outra mulher muito menos. Ovos queimados. Achei tão digno o dia em que ela presenteou o namorado com um tabefe bem na cara quando ele disse
- Vem cá, benzinho. Cala essa boquinha e dê alguma utilidade a ela.
Porque pra ser mulherzinha, Jay não conseguia. Ainda mais do tipo que se inferiorizava a outra pessoa. Olha, Jay não era do tipo que se ajoelhava e pedia perdão - ela só machucava alguém quando estava certa de seus propósitos. Eu também nunca matei uma mosca. Eu não sou humana. Quero dizer, sou humana, sim. Eu e Jay pretendiamos nos encontrar com nosso pai num barco no céu. Havia retalhos das nossas infâncias que Jay não me perdoava por ter feito se perpetuarem. Como o medo dela de ratos. Ela odeia que as pessoas saibam dos seus medos. No dia mesmo em que apareceu com o cabelão longo e descolorido, todo branco, todo sem cor alguma, todo mundo achou um disparate. Ficaram chocados. Eu nem vou esconder que fiquei um pouco assustada pela ousadia, mas, depois, eu entendi e me empolguei. Jay não tinha medo de compartilhar seus sentimentos, nem um pouco. Menos os medos. Mas os seus prazeres e pensamentos, com
a maior satisfação. Ela falava de sexo com as mocinhas virgens e elas eram tão bobinhas, coitadas. Algumas ficavam deslumbradas, outras assustadas. Teve uma que escreveu um poema*.

Jay, Jay
minha querida amiga
você me mostrou
a beleza do útero
em flor
a víscera dilascerada
em dor e sacrifício
a vida sendo gerada

Jay, Jay
ame-me
ouça Beatles
ou se destrua,
sua vadia.

Eu sei que essa menina era fascinada por Jack Nicholson e que não podia ficar duas semanas sem assistir um filme em que o homem estivesse. Mas Jay gostava era de se picar, cozinhas quando estava louca, mas de beber uma cervejinha com os amigos. Tinha uma desilusão com artistas plásticos porque todos que conheceu era uns riquinhos de merda e, pela primeira vez, criou um preconceito só pra se sentir confortável. Ela ouvia Bikini Kill, Pavement e Aretha Franklin. De verdade, ela não tava nem aí pra o que falavam de Marlene Dietrich

- E porra de anjo azul nenhum

Ela ia por debaixo. Costurava por baixo. Se fazia por baixo. Descia aos últimos anais do inferno. Jay era assim com todos os seus amores. Eu falava pra ela se orientar. O máximo que ela fez foi começar a usar muitos poás. Gostava de Yayoi Kusama.

*é assim que me lembro dele

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